
Dedico estas curtas páginas a Manuel Maria Mansos- o Taipeiro que me ensinou a sentir a terra em 1993, a bate-la a molhá-la a escolhe-la e a marcar o ritmo , a tornar-me mais culto pela sua sabedoria de vida
A Arquitectura Contemporanea na Costa Alentejana
Sempre alimentámos o nosso imaginário com utopias.
Com a terra servindo de matéria para a implantação das diversas culturas, sejam elas da simples subsistência à rendibilidade a longo prazo, desde a floresta, ás culturas arvenses, do jardim à horta, serve e sempre serviu também de abrigo, da construção de terra ou mesmo da Arquitectura.
Descodificando por momentos a nossa memória, construir quase tudo com quase nada ao custo zero do material, não deixa de entusiasmar, de tal maneira é utópico.
Ao contrário de outrora, hoje constrói-se em terra por opção e não por necessidade. Esta diferença marca o sentido da utopia.
Infelizmente temos construções medíocres com ar eterno e feliz. Por vezes mesmo com um ar vitorioso esmagando a delicadeza do ambiente, ou das construções adjacentes.
Ao planear a obra de taipa tenta-se indiscutivelmente evitar erros que podem sair bem caros e simultâneamente ela é sob o ponto de vista construtivo limitada, quer na altura, quer nas grandes fenestrações, caso não seja bem ponderada. Impõe-nos também uma melhor inserção no terreno por questões economicas e até de coerência perante o respeito cultural.
Cabe aqui citar Ernesto Veiga de Oliveira, Benjamim Pereira e Fernando Galhano,”…e até por razões climáticas e económicas, e poderiam constituir ensinamentos estética e funcionalmente utilizáveis, na elaboração de uma arquitectura local racional, na vanguarda de todas as experiencias- isto é: mais actualizada- . Em vez disso, porém, vemo-las tantas vezes sistemáticamente recusadas como formas desprezíveis, em nome de um tipo de construção de péssima qualidade e de uma hedionda vulgaridade, em que o “modernismo” está apenas na utilização indiscriminada e errada do cimento e do concreto, por gente menos esclarecida que, nessa recusa dos valores antigos, julga afirmar a sua superioridade que é apenas ignorancia.”edição de 1969.

A Arquitectura de terra e a terra na Arquitectura tem a sua expansão sobretudo a partir dos anos 90, no Litoral Alentejano. Enfim não tão litoral quanto isso, pois será mais correcto dizer a 10 ou 15 km da linha de costa maritima para o interior. Tem uma razão de ser. Junto ao Litoral, (tanto no concelho de Odemira como em Santiago, Sines) o solo não é muito propício. É constituído por areias, sem xisto nem argila.
Claro está que existem excepções, mas esta é a regra. Se verificarmos as pré-existências, veremos que estas estão mais destruídas no Litoral e menos a 10/15km da costa. Por vezes mesmo usando taipa de areia, muitas das coberturas originais eram de estrume, bocados de cortiça, estormo, caniço ou seja muito leves. A parede de taipa de areia trabalha muito mal à torção e tracção e resiste menos ás chuvas, o seu índice de plasticidade é fraco. A altura é limitada por razões óbvias. Os gigantes são frequentes. Os vãos reduzidos.
Recomeça a Taipa sensivelmente com algumas experiências aqui e ali sem grande significado por volta de 87/88.(depois de um interregno a partir da década de 50) Marco decisivo foi o ano de 1993 no Litoral Alentejano, por várias razões:
Primeiro, porque se concretizou uma obra de taipa, actual ao tempo (projecto de 1992 e obra 1993), dum atelier de pintura, que veio a ser exposta na “7ª Conferência Internacional sobre o estudo e conservação da Arquitectura de terra”, que se realizou em Portugal, na cidade de Silves. Segundo factor, foi a publicação de um artigo do historiador Dr. António Quaresma sobre esta obra, no jornal “Noticias de Odemira”, (nº 31 de Dezembro de 1993), que como é óbvio teve leitores. Este artigo (em anexo) tinha por base recordar a memória do tempo, lançar um desafio, sensibilizar o anónimo, os técnicos e os próprios políticos. De seguida, outro artigo é publicado no mesmo jornal, (nº32 de Janeiro/Fevereiro de 1994), que vem explicar tudo acerca da técnica, dos tempos e dos custos e tambem publicado no Bulletin de Information 1995, no 16-17, Projet GAIA.
Simultaneamente esteve patente na Fundação Calouste Gulbenkian a exposição “Arquitecturas de Terra” – o futuro de uma tradição milenária – Europa, Américas e Terceiro Mundo”, concebida pelo Arqtº Jean Dethier para o Centro Georges Pompidou.
De facto faz-se taipa para o mercado de habitação, que funciona normalmente, seja ela a primeira ou a segunda habitação sendo este tipo de construção pioneiro. É no atraso de Portugal diria, (quase tão preversamente no conceito abstracto e concreto na sua expressão, como Yourcenar) que está a sua grande modernidade.
“ De todas as modificações causadas pelo tempo, nenhuma afecta tanto as estátuas como a alteração do gosto daqueles que as admiram”-Marguerite Yourcenar
Até mesmo na sua expressividade, seja interior ou exterior como por exemplo:A taipa fica à vista ao invés de ser rebocada, no interior irá impor-se um vector de força no seio de todas as paredes brancas…etc
A Taipa, dá-nos uma possibilidade criativa, tanto como na pintura…
O pintor Eduard Hoper oferece-nos essa liberdade de pensar para além das figuras expostas. Que se passa? Será que eles?…,…de que estarão eles a falar?… e a casa? Isto será ruína ou uma ampliação?…Ou será que ainda está em construção?…Será que posso fazer a minha casa apenas com terra.?..Esta utopia alimenta o Homem e é irrelevante quanto à nacionalidade.
O belo texto de Léon Krier L’amour des ruines ou les ruines de l’amour, fez-me lembrar o arquitecto perante o destroço , a pré-existencia… penso, salvo isto ou não, ponho-a em evidência ou integro-a como se nada fosse…sonho. E é isso que interessa na Obra, para o arranque do estímulo do projecto e tambem da vida.

A intensidade do percurso artístico e os vectores da criação é que podem ser explicados. E serão sempre diferentes em cada arquitecto. A taipa ajuda a pôr a nossa imaginação em funcionamento - vou fazer um buraco aqui agora, ou depois de construída,- vou fazer um baixo relevo, ou vou usar pigmentos coloridos pela ordem que entender, junto tijolo á vista e reboco ou não, ponho-a lisa ou texturada, posso também caiá-la sem mais. etc. Tambem posso diminuir ou aumentar a espessura, criar mais inércia numa determinada orientação solar. Porque não? Basta-me aumentar o frontal. É a manufactura, o artesanato, mobilidade e a liberdade de criar, basta encontrar empatia com o cliente e os óperários que aliás só têm a ganhar com o vocabulário.
Estamos a usar a técnica ( com toda a possibilidade de introduzir materiais actualissímos, ferro, betão, madeira e por aí fora) para dar valor ao sentido artistico e estético da obra - a Arquitectura!
Nunca os arquitectos pensaram tanto na construção e na destruição. Ora a tradição indica-nos e ensina-nos que as casas nascem, vivem e morrem ou falecem. Esta utopia da construção permanente, ser efémera (ou poder ser), ou ser eterna, modifica o conceito de construção e sobretudo de arquitectura. Significa outra utopia, a liberdade plena, a grande mobilidade na taipa, de a modificar para as gerações vindouras, e com um material eterno, fazer o efémero, e ainda outra utopia, aproveitar a mesma matéria fazendo-a renascer. Digamos que a terra, a casa, a arquitectura acompanham as gerações, neste caso até, o mesmo pedaço-matéria-terra. (quase verdade não fosse a legislação do PROT e Parque Natural cercear essa liberdade, duma forma usurária, quanto aos limites de construção, não contemplando minímamente o que é uma área digna e razoável de habitabilidade)
O que se passa neste momento no litoral alentejano e na nossa contemporaneidade é um movimento de arquitectura que não se baseia apenas em aspectos formais e na expressividade, transcende-os, nasce na ruralidade nos finais do séc. XX, princípios do séc. XXI, mas vem das cidades, das culturas ditas eruditas, ou mais esclarecidas, que vão preservar a memória do tempo, do anónimo, dos diferentes extractos sócio-económicos, etc., que preservam o ambiente, que são preocupadas, pouco consumistas, enfim, um movimento cívico, consciente a que me é indiferente se é por moda ou não. De qualquer modo contribui para o mesmo fim. Sem materiais estranhos à natureza preserva o ambiente. Não gasta energia inutilmente não se impõe, mas absorve a cultura local, respeita e muito lentamente cresce, quase sempre silenciosamente. É em suma, por tudo isto, uma arquitectura contra-corrente, Contemporânea de certeza, - a terra – feminina, cheia de inovação e perfume.
Arqto Alexandre Ereira Bastos